Pular para o conteúdo principal

Reflexões de uma iniciante nos estudos do envelhecimento

O universo do envelhecimento é, para muitos, indigesto. Ninguém quer falar sobre a velhice. Ninguém quer pensar sobre a sua velhice. Ninguém quer ser velho, pois velho é sempre o outro.

Reflexão 1 - Conhecer o universo da pessoa idosa foi o meu objetivo quando me inscrevi no curso de extensão “Fragilidades na velhice: Gerontologia Social e Atendimento, ofertado pela PUC-SP. Inteirar-me sobre as principais terminologias, saber a atuação dos CRI, CCI, CDI, ILPI e explorar os textos dos principais autores que já estudaram o tema…. Parecia tão fácil!

Entretanto, quando esse universo vai se revelando aos meus olhos, sou envolvida por inúmeros sentimentos. A cada sábado, durante e após as aulas, a surpresa, a inquietação e o medo vão me envolvendo. Aliás, a melhor palavra para descrever todas essas sensações é a perplexidade!

Perplexidade em saber que não planejamos a velhice, nem discutimos isso com nossos pares.
Esse universo, na maioria das vezes, tão indigesto (pelo menos por enquanto), agora fazia parte do meu dia a dia.

O mais assustador, é que ao tentar dividir minhas inquietações com amigos próximos, a indiferença se fazia presente.

Ninguém quer falar sobre a velhice; ninguém quer pensar sobre a sua velhice; ninguém quer se sentir velho.
As pessoas na faixa dos 20, 30 anos, parecem tão despreparadas para lidar com seus avós. Mal percebem os cuidados que eles necessitam.

Já, uma boa parte da turma entre 40 a 60 anos, desconsidera a senescência, buscando saídas para prolongar a juventude.

Só quando o peso dos 60, 70 anos começa a surgir, é que o envelhecimento se mostra incontestável. Os sinais físicos, muitas vezes postergados, por cremes e plásticas, tornam-se mais e mais presentes a cada dia. Mas mesmo assim, continuamos a ir atrás da ilusão do antienvelhecimento.

Em uma das aulas do curso, a seguinte frase ficou “martelando” em minha mente: “O velho é sempre o outro! ” Pura verdade!

Reflexão 2 - Por que temos tanto medo de envelhecer?

Em pesquisa de 2013 do IBGE, “Idosos no Brasil”, o medo que as pessoas têm de morrer, é menor do medo que elas têm de se tornar dependentes na velhice.

Velho e dependente: palavras assustadoras!

Também não é para menos: muito tem se feito para aumentar a expectativa de vida. De acordo com o mesmo IBGE – 2014, a expectativa de vida no Brasil é de 75 anos. Entretanto, quando olhamos o que tem sido realizado para envelhecermos com qualidade, com autonomia, pouco encontramos.

Quem quer envelhecer em uma sociedade onde pouco se faz pelos centros de referência, de convivência ou dia de idosos?
Quem quer ir para uma ILPI (Instituição de Longa Permanência para Idosos) ou uma cara Casa de Repouso?
Quem quer depender dos filhos?
 Quem quer ver tirada sua autonomia, a sua individualidade? Quem quer mostrar seu corpo com as marcas de toda uma vida?

Reflexão 3 - Bem, enquanto nós adultos olhamos para a velhice como uma doença, as crianças pequenas parecem saber conviver muito bem com as rugas, o esquecimento e a caixinha de remédios da vovó.

Parece que essas crianças são de uma geração que sabe exercer o verdadeiro significado da solidariedade e da empatia para com o idoso.
Sabem assimilar toda a informação, cultura, experiência de vida dos velhos. Estimulam o corpo lentificado da vovó, jogando bola, pedindo o prato preferido, fazendo o dia a dia se encher de criatividade, objetivos e muito humor.

Uma relação cheia de afeto, gratidão e esperança!

Mas e as outras gerações? Como sensibilizá-las da importância do suporte familiar que precisa ser proporcionado ao idoso?
Como mostrar que através das relações, do engajamento social, podemos melhorar a capacidade cognitiva, física e afetiva da pessoa velha?

Reflexão 4 - Parece que a sociedade quer fazer de conta que não somos o resultado de um processo: contínuo, coordenado e progressivo.

Parece que ainda preferimos esconder nossos velhos enfurnados nos quartinhos das casas, nos tais centros e casas de repouso.
Parece que ainda temos muito que esconder, já que não sabemos o que fazer com a solidão, o estresse, a depressão, as doenças que vão acometendo o velho.

Quando admitirmos que a velhice não acontece de repente, que precisamos valorizar e resgatar a história desse indivíduo, daí sim, teremos um envelhecimento mais coerente, em que as oportunidades poderão ser otimizadas, com o idoso engajado social e funcionalmente. E principalmente com respeito!

Agora, ao final do curso, mesmo com mais inquietações e indagações, percebo que quero valorizar as experiências da pessoa velha, apoiá-la a vivenciar mais oportunidades e perspectivas.

Quero sim ajudar a sensibilizar a sociedade na integração e na formação de uma rede de apoio ao velho. Uma rede de apoio, que antes de mais nada, precisa ser sonhada e organizada por um grupo de pessoas de idades diferentes, de tribos diferentes, com experiências diferentes. Só assim, poderemos quebrar os estereótipos e paradigmas, já tão enraizados.

E para começar, ouvir os idosos é o primeiro passo. Acho que eles têm muito a dizer e, eu, muito a aprender! Tornar visível o Universo do envelhecimento.

Por CéLia Maria Amato Balian. Texto apresentado no curso de extensão: Fragilidades na velhice: Gerontologia Social e Atendimento, primeiro semestre de 2017, PUC-SP. E-mail: celiaamato@terra.com.br
Fonte: http://www.portaldoenvelhecimento.com.br/     Em  
Imagem:araucarianoar.com.br/

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O Dente-de-Leão e o Viva a Velhice

  A belíssima lenda do  dente-de leão e seus significados Segundo uma lenda irlandesa, o dente-de-leão é a morada das fadas, uma vez que elas eram livres para se movimentarem nos prados. Quando a Terra era habitada por gnomos, elfos e fadas, essas criaturas viviam livremente na natureza. A chegada do homem os forçou a se refugiar na floresta. Mas   as fadas   tinham roupas muito chamativas para conseguirem se camuflar em seus arredores. Por esta razão, elas foram forçadas a se tornarem dentes-de-leão. Comentário do Blog: A beleza  do dente-de-leão está na sua simplicidade. No convívio perene com a natureza, no quase mistério sutil e mágico da sua multiplicação. Por isso e por muito mais  é que elegi o dente-de-leão  como símbolo ou marca do Viva a Velhice. Imagem  Ervanária Palmeira   O dente-de-leão é uma planta perene, típica dos climas temperados, que espontaneamente cresce praticamente em todo o lugar: na beira de estrada, à beira de campos de cultivo, prados, planícies, colinas e

‘Quem anda no trilho é trem de ferro, sou água que corre entre pedras’ – Manoel de Barros

  Dirigido pelo cineasta vencedor do Oscar, Laurent Witz, ‘Cogs’ conta a história de um mundo construído em um sistema mecanizado que favorece apenas alguns. Segue dois personagens cujas vidas parecem predeterminadas por este sistema e as circunstâncias em que nasceram. O filme foi feito para o lançamento internacional da AIME, uma organização de caridade em missão para criar um mundo mais justo, criando igualdade no sistema educacional. O curta-animação ‘Cogs’ conta a história de dois meninos que se encontram, literalmente, em faixas separadas e pré-determinadas em suas vidas, e o drama depende do esforço para libertar-se dessas limitações impostas. “Andar sobre trilhos pode ser bom ou mau. Quando uma economia anda sobre trilhos parece que é bom. Quando os seres humanos andam sobre trilhos é mau sinal, é sinal de desumanização, de que a decisão transitou do homem para a engrenagem que construiu. Este cenário distópico assombra a literatura e o cinema ocidentais. Que fazer?  A resp

Poesia

De Mario Quintana.... mulheres. Aos 3 anos: Ela olha pra si mesma e vê uma rainha. Aos 8 anos: Ela olha para si e vê Cinderela.   Aos 15 anos: Ela olha e vê uma freira horrorosa.   Aos 20 anos: Ela olha e se vê muito gorda, muito magra, muito alta, muito baixa, muito liso, muito encaracolado, decide sair mas, vai sofrendo.   Aos 30 anos: Ela olha pra si mesma e vê muito gorda, muito magra, muito alta, muitobaixa, muito liso muito encaracolado, mas decide que agora não tem tempo pra consertar então vai sair assim mesmo.   Aos 40 anos: Ela se olha e se vê muito gorda, muito magra, muito alta, muito baixa, muito liso, muito encaracolado, mas diz: pelo menos eu sou uma boa pessoa e sai mesmo assim.   Aos 50 anos: Ela olha pra si mesma e se vê como é. Sai e vai pra onde ela bem entender.   Aos 60 anos: Ela se olha e lembra de todas as pessoas que não podem mais se olhar no espelho. Sai de casa e conquista o mundo.   Aos 70 anos: Ela olha para si e vê sabedoria, ri

Saber ouvir 2 - Escutatória Rubem Alves

Sempre vejo anunciados cursos de oratória. Nunca vi anunciado curso de escutatória. Todo mundo quer aprender a falar... Ninguém quer aprender a ouvir. Pensei em oferecer um curso de escutatória, mas acho que ninguém vai se matricular. Escutar é complicado e sutil. Diz Alberto Caeiro que... Não é bastante não ser cego para ver as árvores e as flores. É preciso também não ter filosofia nenhuma. Filosofia é um monte de ideias, dentro da cabeça, sobre como são as coisas. Para se ver, é preciso que a cabeça esteja vazia. Parafraseio o Alberto Caeiro: Não é bastante ter ouvidos para ouvir o que é dito. É preciso também que haja silêncio dentro da alma. Daí a dificuldade: A gente não aguenta ouvir o que o outro diz sem logo dar um palpite melhor... Sem misturar o que ele diz com aquilo que a gente tem a dizer. Como se aquilo que ele diz não fosse digno de descansada consideração...   E precisasse ser complementado por aquilo que a gente tem a dizer, que é muito melhor. N

A velhice em poesia

Duas formas de ver a velhice. Você está convidado a "poetizar" por aqui . Sobre o tema que lhe agradar. Construiremos a várias mãos "o domingo com poesia". A Velhice Pede Desculpas - Cecília Meireles, in Poemas 1958   Tão velho estou como árvore no inverno, vulcão sufocado, pássaro sonolento. Tão velho estou, de pálpebras baixas, acostumado apenas ao som das músicas, à forma das letras. Fere-me a luz das lâmpadas, o grito frenético dos provisórios dias do mundo: Mas há um sol eterno, eterno e brando e uma voz que não me canso, muito longe, de ouvir. Desculpai-me esta face, que se fez resignada: já não é a minha, mas a do tempo, com seus muitos episódios. Desculpai-me não ser bem eu: mas um fantasma de tudo. Recebereis em mim muitos mil anos, é certo, com suas sombras, porém, suas intermináveis sombras. Desculpai-me viver ainda: que os destroços, mesmo os da maior glória, são na verdade só destroços, destroços. A velhice   - Olavo Bilac Olha estas velhas árvores, ma