Pular para o conteúdo principal

Um novo olhar perante o ser humano que envelhece

Desejamos laços que permitam uma melhor compreensão e atuação perante o envelhescente. Laços que permitam uma melhor comunicação entre profissionais e suas disciplinas de especialidade, para que o conhecimento seja cada vez mais globalizante, integrador e transdisciplinar, fundado numa verdadeira ética que nos leva a uma efetiva Ecologia de Saberes.

Por Vítor Fragoso e Margarida Sotto Mayor

A transdisciplinaridade começa a ser cada vez mais um lugar-comum entre os profissionais que atuam com o envelhecimento. Apesar disso, muitos ainda desconhecem do que se trata ou ignoram a essência desta abordagem.

O ser humano e a vida pela sua grandiosidade e mistério, sempre se apresentaram e apresentam como algo a decifrar, a entender, compreender e enfrentar, pois são enormes os mistérios da existência e da vida. Nesta busca de entendimento, o Homem, ser curioso por natureza começou por questionar-se. A ele impuseram-se-lhe as grandes questões, que se repetem ad eterno: «Quem sou? De onde vim? Para onde vou?»

Neste eterno questionar, que se renova a cada geração, o ser humano foi conhecendo e acrescentando saber. Na atualidade possuímos um conhecimento imenso acerca da “teia da vida”, mas perdemos a noção de teia propriamente dita. Vislumbramos somente alguns dos elos que a compõem, e cada vez mais sabemos muito do específico e pouco do geral.

Tornamo-nos cegos para um saber globalizante e integrador. A nossa visão tornou-se cada vez mais microscópica, o ser humano de sujeito do conhecimento passou a objeto. O meio ambiente e cultural, fechou-se, desenraizou-se e delimitou-se no laboratório. O qualitativo cedeu ao quantitativo. Chegamos a um momento em que é urgente redescobrir o ser humano como sujeito de pleno direito e a Ciência como um saber dialogante e transdisciplinar, mais do que um conhecimento positivista e hiper-racional desligado do sujeito do conhecimento e do objeto/sujeito a conhecer.

Ao falar da Abordagem Transdisciplinar convém desde já esclarecer o leitor que estamos a referir-nos essencialmente a uma Atitude, a uma Visão do mundo, a uma visão da vida e do humano. Falamos de um Olhar, mais concretamente de um modo particular de Olhar e Agir, e da necessidade de renovarmos o olhar que condiciona o modo como atuamos e interagimos enquanto profissionais e pessoas.

Este olhar desumanizou-se porque se quis especializado, perdeu a sua visão “periscópica”, perdeu aquele olhar novo da criança que vê o mundo pela primeira vez, da criança entusiasmada por natureza e envolvida com o que conhece. O cientificismo atual tornou-nos míopes para o essencial, para o que acontece em meio natural. Tornou-nos cegos para aquilo que ocorre além do laboratório, para o que está além da porta do gabinete médico e para o que está entre. Cegou-nos para o que está além da escala, pois esta exige métrica, e no campo do comportamento humano é algo que se tornou cada vez mais evidente.

A Ciência é ainda mais útil e transformadora se humanizada. Atualmente a Ciência oficial e hegemônica exige – quase que exclusivamente – objetividade para o que é naturalmente também subjetivo e singular – o humano em suas inter-relações naturais. Somos homens que conhecem homens, somos homens naturais que conhecem a natureza.

A ciência moderna na produção do seu saber procura analisar analiticamente os seus objetos de estudo, fá-lo essencialmente através da divisão do todo pelas partes para assim aceder a um conhecimento progressivamente maior, embora através dessa atitude, paradoxalmente também se distancie do todo. Esta é a tarefa do pensamento analítico e nada há contra ou de errado com ele, defende Crema (2002). A tragédia é, defende o mesmo autor, quando a nossa atuação enquanto profissionais e cientistas apenas se circunscreva a este exercício redutor de parcialização, necessário, mas não suficiente.

No entanto, foi assim que realizamos progressos incríveis, de grandiosidade tal que criamos a ilusão de que o desenvolvimento humano seria sempre na ordem do progresso. Ignoramos as lacunas deste modelo, pois foi também através do cientificismo atual que alcançamos o risco de destruição total da vida na qual nos incluímos enquanto espécie.

Neste sentido, é nosso intuito refletir sobre um Outro Olhar que nos permita atuar na direção do respeito ético pelo humano e pela vida para que a nossa omissão no presente não seja a culpabilidade do futuro, pois tal como defende Basarab Nicolescu (1999), no Manifesto da Transdisciplinaridade, “amanhã será tarde demais”.

É nosso objetivo estimular uma Nova Atitude e um Novo Olhar perante o ser humano que envelhece (envelhescente) e também no modo de pensar e fazer a própria Gerontologia. Desejamos uma Trans-gerontologia, ambicionamos um conhecimento transdisciplinar e humanizado, pretendemos uma gerontologia que vá mais além.

Procuramos reconhecer os espaços intermediários deixados em branco pela fragmentação e separatividade do modelo disciplinar dominante de fazer ciência, e nesse espaço intermediário e através dele estabelecer novos laços interdisciplinares (e mais além), nesta teia complexa que tece e une a vida e o humano. Desejamos laços que permitam uma melhor compreensão e atuação perante o envelhescente. Laços que permitam uma melhor comunicação entre profissionais e suas disciplinas de especialidade, para que o conhecimento seja cada vez mais globalizante, integrador e transdisciplinar, fundado numa verdadeira ética que nos leva a uma efetiva Ecologia de Saberes.

Referências
CREMA, R. Pedagogia iniciática. Petropópolis, RJ, Vozes, 2002.
NICOLESCU, Basarab. Manifesto da Transdisciplinaridade. Tradução de Lucia Pereira de Souza. Editora Trion, São Paulo, 1999.

Imagem: Ttéia, de Lygia Pape 
GERONTOLOGIA E TRANSDISCIPLINARIDADE – LIVRO I
Formato: 14 x 21
Tamanho: 244 páginas
Papel: pólen 80g
Preço: R$ 39,90
Grátis: e-book e cartão postal.
ADQUIRA JÁ O SEU: Loja do Portal Edições
Fonte: http://www.portaldoenvelhecimento.com.br/

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O Dente-de-Leão e o Viva a Velhice

  A belíssima lenda do  dente-de leão e seus significados Segundo uma lenda irlandesa, o dente-de-leão é a morada das fadas, uma vez que elas eram livres para se movimentarem nos prados. Quando a Terra era habitada por gnomos, elfos e fadas, essas criaturas viviam livremente na natureza. A chegada do homem os forçou a se refugiar na floresta. Mas   as fadas   tinham roupas muito chamativas para conseguirem se camuflar em seus arredores. Por esta razão, elas foram forçadas a se tornarem dentes-de-leão. Comentário do Blog: A beleza  do dente-de-leão está na sua simplicidade. No convívio perene com a natureza, no quase mistério sutil e mágico da sua multiplicação. Por isso e por muito mais  é que elegi o dente-de-leão  como símbolo ou marca do Viva a Velhice. Imagem  Ervanária Palmeira   O dente-de-leão é uma planta perene, típica dos climas temperados, que espontaneamente cresce praticamente em todo o lugar: na beira de estrada, à beira de campos de cultivo, prados, planícies, colinas e

‘Quem anda no trilho é trem de ferro, sou água que corre entre pedras’ – Manoel de Barros

  Dirigido pelo cineasta vencedor do Oscar, Laurent Witz, ‘Cogs’ conta a história de um mundo construído em um sistema mecanizado que favorece apenas alguns. Segue dois personagens cujas vidas parecem predeterminadas por este sistema e as circunstâncias em que nasceram. O filme foi feito para o lançamento internacional da AIME, uma organização de caridade em missão para criar um mundo mais justo, criando igualdade no sistema educacional. O curta-animação ‘Cogs’ conta a história de dois meninos que se encontram, literalmente, em faixas separadas e pré-determinadas em suas vidas, e o drama depende do esforço para libertar-se dessas limitações impostas. “Andar sobre trilhos pode ser bom ou mau. Quando uma economia anda sobre trilhos parece que é bom. Quando os seres humanos andam sobre trilhos é mau sinal, é sinal de desumanização, de que a decisão transitou do homem para a engrenagem que construiu. Este cenário distópico assombra a literatura e o cinema ocidentais. Que fazer?  A resp

Boas notícias para pessoas sedentárias

Depois dos 50, também é possível entrar em forma. Um estudo garante que a atividade física, mesmo após meio século de idade, seja um bom investimento para a aposentadoria 31% da população que se declara abertamente sedentária (de acordo com o estudo The World Burden of Diseases, publicado na  revista The Lancet)  e que, em meados dos anos 50, não pratica  exercícios físicos,  terá interesse em saber que, segundo  novas pesquisas,  Ainda é hora de evitar a degeneração muscular e óssea que pode fazer de você um homem velho antes do tempo. O estudo, realizado em conjunto por 5 universidades, comparou a função muscular, a densidade mineral óssea (a quantidade de cálcio e outros minerais presentes em uma área do osso) e a composição corporal de idosos que praticaram esportes em todo o mundo. sua idade adulta com aqueles que começaram tarde, especificamente após 50 anos. O objetivo era determinar se o fato de ter começado a treinar tão tarde impede atingir o nível de desempenho atlético e as

Poesia

De Mario Quintana.... mulheres. Aos 3 anos: Ela olha pra si mesma e vê uma rainha. Aos 8 anos: Ela olha para si e vê Cinderela.   Aos 15 anos: Ela olha e vê uma freira horrorosa.   Aos 20 anos: Ela olha e se vê muito gorda, muito magra, muito alta, muito baixa, muito liso, muito encaracolado, decide sair mas, vai sofrendo.   Aos 30 anos: Ela olha pra si mesma e vê muito gorda, muito magra, muito alta, muitobaixa, muito liso muito encaracolado, mas decide que agora não tem tempo pra consertar então vai sair assim mesmo.   Aos 40 anos: Ela se olha e se vê muito gorda, muito magra, muito alta, muito baixa, muito liso, muito encaracolado, mas diz: pelo menos eu sou uma boa pessoa e sai mesmo assim.   Aos 50 anos: Ela olha pra si mesma e se vê como é. Sai e vai pra onde ela bem entender.   Aos 60 anos: Ela se olha e lembra de todas as pessoas que não podem mais se olhar no espelho. Sai de casa e conquista o mundo.   Aos 70 anos: Ela olha para si e vê sabedoria, ri

Saber ouvir 2 - Escutatória Rubem Alves

Sempre vejo anunciados cursos de oratória. Nunca vi anunciado curso de escutatória. Todo mundo quer aprender a falar... Ninguém quer aprender a ouvir. Pensei em oferecer um curso de escutatória, mas acho que ninguém vai se matricular. Escutar é complicado e sutil. Diz Alberto Caeiro que... Não é bastante não ser cego para ver as árvores e as flores. É preciso também não ter filosofia nenhuma. Filosofia é um monte de ideias, dentro da cabeça, sobre como são as coisas. Para se ver, é preciso que a cabeça esteja vazia. Parafraseio o Alberto Caeiro: Não é bastante ter ouvidos para ouvir o que é dito. É preciso também que haja silêncio dentro da alma. Daí a dificuldade: A gente não aguenta ouvir o que o outro diz sem logo dar um palpite melhor... Sem misturar o que ele diz com aquilo que a gente tem a dizer. Como se aquilo que ele diz não fosse digno de descansada consideração...   E precisasse ser complementado por aquilo que a gente tem a dizer, que é muito melhor. N