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“Responsabilidade cidadã”, de Pedro Paricio Aucejo

Comentário do Blog: nada acontece por acaso. Acabei de publicar, no Instagram,  um pequeno destaque do livro a Condição Humana da Hannat Arendt, que aqui transcrevo "... pode-se continuar a aprender até o fim da vida sem, no entanto, jamais se educar”. Educar implica aprender a ser, a conviver e a cuidar. Comporta construir sentidos de vida, saber lidar com a complexa condition humaine e definir-se face aos rumos da história." É este sentido da vida que nos faz cidadãos.

Num momento em que é urgente buscar soluções para graves problemas sociais é patética a maneira de proceder de alguns governantes, que, além de terem causado o atoleiro atual, negam tudo sem responder por nada. Mas esse doloroso espetáculo político se transforma em uma irritação insuportável quando os palmeros de plantão - em vez de se esconderem no subsolo - aplaudem com elogios o comportamento desavergonhado de seus líderes. 

Nesse momento, quem contempla o espetáculo pode ser que ocorra o mesmo que  aquela esposa - a viúva de um homem irresponsável com comportamento familiar inveterado - que, no funeral do marido, teve de suportar o elogio injusto de um parente distante. Quando a viúva ouviu que ele, muito orgulhoso, exaltou o caráter exemplar do falecido como marido e pai, pegou na mão do seu filho, aproximou-se do seu ouvido e disse: “Vamos, filho, fizemos o enterro errado”.

Esta é a atitude que deve ser evitada na sociedade espanhola, porque embora a história da política possa ser metodologicamente descolada da crônica dos governantes e dos governados, de fato, em um regime democrático, não deve haver um desengajamento um do outro. Ainda que as instituições e seus administradores sejam atores de destaque na esfera pública, 

O sucesso de um país depende do grau de responsabilidade dos dirigentes e dirigidos.

É preciso lembrar que, literalmente, responsabilidade é a capacidade de responder apropriadamente à vida: trata-se de enfrentá-la assumindo o comando dela. Tal disposição tem sua profundidade mais profunda na intimidade da pessoa: cada vez que essa existência nos prova, surge o confronto nu com a própria consciência individual, o encontro com a realidade inescapável que nos leva a fazer algo como se fosse o único,. disponível para o fazer, no tempo. Isso significa que, se a nossa própria responsabilidade for evitada, não abandonamos apenas a nós mesmos, mas também os outros e, com o passar do tempo, eles nos abandonam por sua vez. Além disso, o esquecimento da responsabilidade pessoal arrasta a busca sem fim pela culpa alheia para laminar o decoro de todos.

Embora falar de responsabilidade nem sempre implique torná-la uma exigência de heroísmo, implica, em todo o caso, tratar do sentido elementar de dignidade que obriga cada um a não decepcionar quem nele confia. E como se não bastasse, este compromisso atinge a sua máxima expressão quando se torna dependente do sentido sobrenatural que tem a existência, para que a perspectiva da responsabilidade humana seja esclarecida pelo brilho da responsabilidade divina. Se, ao desejar o bem da humanidade, Deus se sentiu responsável por isso (assumindo como seu no seu coração, para transformá-lo, toda a miséria humana que lhe era alheia), também o homem deve seguir o procedimento divino, cumprindo a sua responsabilidade - como nos lembra o Papa Francisco - de uma misericórdia que salvaguarda a correta continuidade da história para todos. Portanto, permitindo que a responsabilidade atue de maneira adequada, mostra – sem disfarces, substitutos ou acessórios– o verdadeiro propósito da vida.

Mas, porque a responsabilidade está ancorada na medula da condição humana, ninguém está excluído dela, de modo que, quando falamos de um país, a responsabilidade histórica não é só de quem ocupa um cargo de governo, mas - embora em diferentes medidas - de toda a sociedade. Além disso, os problemas do mundo atual não podem ser enfrentados apenas a partir da capacidade de ação dos poderes públicos. É necessária uma cidadania que, canalizando a sua sociabilidade natural, participe nas diferentes dimensões que constituem a realidade social e, envolvendo-se no quotidiano, desempenhe um papel activo nas responsabilidades públicas. Nada se transforma ou se preserva na vida pública se o caráter de seus participantes também não for alterado ou reafirmado.

Como se não bastasse, em um estado democrático precisamos conseguir o maior número possível de garantias de participação cidadã: já que se baseia não apenas em um sistema de governo em harmonia, mas também em um modo de vida que reforce a dignidade humana. Governantes e governados - estamos todos no mesmo barco! - é sim uma condição para a democratização recíproca e assim alcançar a organização adequada da convivência humana natural, objetivo fundamental da atividade política.

Em várias comunidades autónomas e em muitos municípios de Espanha, a relevância da sociedade civil organizada já se manifestou em algumas formações políticas que - por ocasião das últimas eleições autárquicas e regionais - emergiram na primeira linha do poder. Depois de décadas de contínua resistência civil no ativismo de seus terminais do tecido sindical, educacional, cultural, de bairro…, conseguiram estruturar um quadro social vigoroso sobre o qual se sustentar e, quando for o momento, assumir a responsabilidade de governar. Agora existe uma conjuntura histórica favorável para estender essa estrutura cidadã a todo o espectro social. Sem essa estrutura cívica orgânica, não há poder político sólido, nenhuma democracia verdadeira e nenhuma sociedade totalmente combinada. Fonte: https://dametresminutos.wordpress.com/   Tradução Livre.

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