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Entre pássaros, borboletas e ternura

Pois hoje vou falar dos velhos de mais de 80 anos que estão sobrevivendo sem teorias ou modismos.

Comentário do Blog: Após ter descoberto o Blog Novos Velhos de Déa Januzzi é lá que vou buscar a leveza poética com que ela trata o tema Velhice. Hoje, após uma sequência  de artigos com o  tema  oportunidade de trabalho  para idosos  que abrange preconceito, dignidade. finanças  e afins retomo a leveza com Déa Januzzi e seu artigo Entre pássaros, borboletas e ternura. Lindo!!!! Gracias Déa.

Que me perdoem os Novos Velhos, entre os quais tento me incluir para mudar o conceito de envelhecer.

Ser uma nova velha é mais do que buscar modelos de roupa e de cabelo que combinam com quem tem mais de 60. É mais do que saber que a velhice é uma conquista, mas também traz perdas irreparáveis. É discutir assuntos polêmicos e incômodos, como doença, morte, dependência, cuidados paliativos, testamento vital. É convocar a família para decidir sobre como se quer morrer, com que roupa, música e flores você quer ir em sua viagem final.

 Pois hoje vou falar dos velhos de mais de 80 anos que estão sobrevivendo sem teorias ou modismos. De um deles em especial, João Evangelista da Silva, de 83 anos. Eu o conheci depois que resolvi fazer uma rebelião em minha vida, fugir da metrópole, para viver com o que ganho como aposentada do INSS.

João Evangelista, de 83 anos, com a neta Larissa fazendo careta para a velhice

O senhor João, como a maioria dos velhos de sua idade, começa a ter lapsos de memória: esquece o que comeu no almoço, que dia é, onde está, mas jamais perde o humor. Brinca o tempo todo, como conta uma de suas filhas Lucimar Cunha, de 56 anos, que também veio morar na Serra do Cipó para cuidar do pai que odeia cidade grande. “Um dia, ele saiu do banheiro e perguntei se ele tinha lavado as mãos. Prontamente, respondeu. ‘Não, quem lavou foi a água”. Tiradas assim, fazem parte do repertório do senhor João, que trabalhou a vida inteira na Rede Ferroviária, até se aposentar.

   Hoje, ele vive numa agradável casa de um condomínio na Serra do Cipó que se parece mais com uma vila, pois os outros moradores cuidam, dão atenção e carinho ao senhor João e às filhas Lucimar e Lucineia, além das netas Larissa e Clara que estão sempre em volta dele, num convívio saudável entre gerações.

   Produtora cultural, Lucimar é responsável por projetos importantes na Serra do Cipó, inclusive o Festival do Pequi, um fruto do cerrado que está ameaçado pela exploração imobiliária de condomínios de luxo. Mas como o pai, Lucimar também resiste aos atentados à natureza externa e interna. Sabe o nome da rua onde mora? Isso mesmo: Pequi.

   Largou dois dos três filhos e o marido em BH para cuidar do pai. Montou seu escritório na varanda da casa. “Meu escritório mora em frente a uma jabuticabeira habitada por mais de 50 canarinhos. Nele, administro sonhos, que vão se concretizando aos poucos. Planejo a semeadura do amor. Ele floresce em meio ao canto dos pássaros e dos corações que me visitam, diariamente”.  É nesse escritório ao ar livre que ela coleciona as frases mais divertidas do senhor João, que não é reprimido nem corrigido nem remendado pelas filhas. Elas deixam que ele fale o que quiser: “Meu pai vive um tempo e espaço imaginários. E viajamos com ele, fazendo-o crer que são reais. Onde o imaginário? Onde o real, para quem se fez história?” constata Lucimar.

     Ninguém diz que ele já contou o mesmo caso 10 vezes, como já vi muitos filhos de pais mais velhos fazerem. Se ele diz, está dito. As filhas consideram até poético, frases assim, disparadas pelo pai: “Pode ficar tranquila, porque eu não penso mais em arrumar mulher”. Viúvo há tempos de Maria da Conceição Machado e Silva, o senhor João ama família, que está completa nos fins de semana. Quando filhos e netos vão embora, ele diz: “A casa desmoronou. Saiu do lugar”, pois ficou vazia.

    A família apoia o pai e avô em tudo, até quando ele resolve dormir o dia inteiro. Nessas horas, ele acorda, vai até a varanda e fica observando os pássaros e as borboletas azuis e amarelas, que insistem em abrigar e colorir a sua velhice.

    Diagnosticado com Alzheimer, ele às vezes foge de casa quando ninguém está observando, mas é encontrado rapidamente, pois todos o conhecem.

    Na última internação hospitalar, há um ano, vítima de um Acidente Vascular Cerebral (AVC), ele pediu aos filhos ao receber alta. “Agora todo mundo vai abraçar todo mundo a toda hora e principalmente pela manhã. Todo mundo vai comer pastel de carne e guaraná pelo menos uma vez por semana, para celebrar a vida”. Promessa cumprida pela família.

  Ainda bem que o senhor João não vai precisar de nenhum asilo ou instituição de longa permanência para ficar. Ainda bem que ele não vai ser como aquele velhinho da crônica de Rubem Alves, que no leito de morte, pediu: “Filha, quero comer um pastel de carne’. E ela respondeu: ‘Mas, papai, fritura tem colesterol, faz mal!’ Ela não sabia que aqueles que vão morrer estão além do que faz bem e do que faz mal. Eles têm permissão para tudo."

   Ainda bem que o senhor João tem livre arbítrio para dizer e fazer coisas assim, como conta a filha: “Meu pai sai do lado de fora, na varanda, e tranca todas as janelas e portas. Do lado de dentro me pergunta. Como eu faço para entrar, se estou trancado lá fora?”.

Fonte: Novos Velhos em 20/10/2016 por Déa januzzi      

Comentários

  1. Adorei o seu blog, Juracy, lindo e útil. Obrigada por republicar. Sinta-se à vontade. ABraços

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  2. Boa noite, Déa.
    Agradecida pela visita e a permissão. Volte sempre. Abraço com carinho.

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