Pular para o conteúdo principal

O sentido da velhice para os professores

A especificidade do envelhecimento do professor está na possibilidade de manter traços de sua profissão, principalmente um traço que marca a carreira docente e lhe é peculiar: a capacidade de aprender para poder ensinar.

O professor tem uma velhice diferente daqueles que atuaram em outras profissões?

De que modo ter exercido a docência influencia a qualidade de vida na velhice? O que esperar da aposentadoria num mundo que valoriza o trabalho?

Essas são algumas questões que, na maioria das vezes, só são pensadas pelo professor quando a terceira idade se aproxima.

Nesse contexto, investigar o envelhecimento do professor foi o objetivo da tese de doutorado de Rita de Cássia M. T. Stano, pedagoga e doutora em educação pela PUC-SP, que atua desde 1990 como coordenadora do curso de extensão de Educação Permanente para a Terceira Idade.

Uma versão do estudo foi publicada no livro Identidade do professor no envelhecimento,  publicado pela Cortez Editora, cujo conteúdo foi dividido em quatro capítulos: “Por uma singularização da velhice: avenidas teóricas”; “O ser-no-tempo: trabalho e aposentadoria, contratempo?”; “Sentidos e espaços da professoralidade” e “Tempo e espaço, construções da professoralidade no envelhecimento”.

Stano inicia seu trabalho analisando o sentido da velhice e do trabalho no mundo contemporâneo. Dessa forma, ao mesmo tempo em que a aposentadoria se converteu em uma das maiores conquistas do trabalhador, representando uma recompensa pelos anos dedicados à atividade produtiva, a situação de “não trabalho” faz a sociedade, na qual dominam os valores utilitários, considerar o excluído como incapaz.

“O fortalecimento e a hegemonia do capitalismo no mundo moderno reforçam o desvalor do velho por se constituir em força de trabalho obsoleta, em mercadoria gasta e descartável”, escreve a autora. Assim, “nega-se o tempo de vida vivido, exclui-se a potencialidade da memória, da lembrança, da evocação.”

Por outro lado, com o envelhecimento da população, começaram a surgir muitas iniciativas para valorização da vida pós-trabalho como, por exemplo, as faculdades para a terceira idade. Isso leva a crer que, se a sociedade é toda arranjada para preparar o ser humano para o trabalho, para o exercício profissional, ela nunca pensou em prepará-lo para o ócio.

A autora utiliza, então, as teorias do sociólogo italiano Domenico de Masi, que escreveu a respeito do ócio criativo, para bordar a questão do tempo livre que advém com a aposentadoria.

No caso dos professores, nota-se, segundo a autora, que há uma identidade profissional que se transforma e mantém um certo modo de ser específico da profissão. Ou seja, mantém sua essencialidade, sua referência básica, por meio da inclusão da memória.

Para Stano, a especificidade do envelhecimento do professor está na possibilidade de manter traços de sua profissão, principalmente um traço que marca a carreira docente e lhe é peculiar: a capacidade de aprender para poder ensinar. Ou seja, ser professor sugere uma trabalho constante com a busca do relevante, com a procura do novo, do atual.

Assim, o processo de envelhecimento dos professores é marcado por estes movimentos de buscar o novo, de atualizar-se. Em resumo, ao se aposentar o professor garante e sustenta certas capacidades que foram necessárias ao exercício de seu ofício: ao elaborar aulas e planejar atividades desenvolveu um processo de criação permanente. “Tais capacidades permanecem e, por isso, sustentam uma certa e especial forma de envelhecer, com inventividade e criação de novos espaços existenciais”, conclui.

No entanto, Rita de Cássia Stano alerta que não se trata de destacar o magistério como uma atividade melhor ou diferente das outras, mas de destacar a docência como um certo tipo de identidade que se traduz em uma certa maneira de viver do próprio envelhecimento.

“O professor, ao envelhecer, traz em suas rugas as lembranças de suas vidas na e pela escola. Como também, provavelmente, o médico e o advogado carregam consigo muitas outras lembranças.

Porém, o professor mantém-se professor pela própria professoralidade, pelo próprio discurso… fortalecendo a identidade que foi sendo elaborada no exercício da docência”.

“Identidade do professor no envelhecimento”, livro/estudo baseado na tese de doutorado de Rita de Cássia M. T. Stano. Defesa na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, em março de 2001.

SANTOS, Thais Helena dos. O sentido da velhice para os professores. Educabrasil. São Paulo: Midiamix, 2001. Disponível em: <http://www.educabrasil.com.br/o-sentido-da-velhice-para-os-professores/>. Acesso em: 15 de out. 2016.


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O Dente-de-Leão e o Viva a Velhice

  A belíssima lenda do  dente-de leão e seus significados Segundo uma lenda irlandesa, o dente-de-leão é a morada das fadas, uma vez que elas eram livres para se movimentarem nos prados. Quando a Terra era habitada por gnomos, elfos e fadas, essas criaturas viviam livremente na natureza. A chegada do homem os forçou a se refugiar na floresta. Mas   as fadas   tinham roupas muito chamativas para conseguirem se camuflar em seus arredores. Por esta razão, elas foram forçadas a se tornarem dentes-de-leão. Comentário do Blog: A beleza  do dente-de-leão está na sua simplicidade. No convívio perene com a natureza, no quase mistério sutil e mágico da sua multiplicação. Por isso e por muito mais  é que elegi o dente-de-leão  como símbolo ou marca do Viva a Velhice. Imagem  Ervanária Palmeira   O dente-de-leão é uma planta perene, típica dos climas temperados, que espontaneamente cresce praticamente em todo o lugar: na beira de estrada, à beira de campos de cultivo, prados, planícies, colinas e

‘Quem anda no trilho é trem de ferro, sou água que corre entre pedras’ – Manoel de Barros

  Dirigido pelo cineasta vencedor do Oscar, Laurent Witz, ‘Cogs’ conta a história de um mundo construído em um sistema mecanizado que favorece apenas alguns. Segue dois personagens cujas vidas parecem predeterminadas por este sistema e as circunstâncias em que nasceram. O filme foi feito para o lançamento internacional da AIME, uma organização de caridade em missão para criar um mundo mais justo, criando igualdade no sistema educacional. O curta-animação ‘Cogs’ conta a história de dois meninos que se encontram, literalmente, em faixas separadas e pré-determinadas em suas vidas, e o drama depende do esforço para libertar-se dessas limitações impostas. “Andar sobre trilhos pode ser bom ou mau. Quando uma economia anda sobre trilhos parece que é bom. Quando os seres humanos andam sobre trilhos é mau sinal, é sinal de desumanização, de que a decisão transitou do homem para a engrenagem que construiu. Este cenário distópico assombra a literatura e o cinema ocidentais. Que fazer?  A resp

Poesia

De Mario Quintana.... mulheres. Aos 3 anos: Ela olha pra si mesma e vê uma rainha. Aos 8 anos: Ela olha para si e vê Cinderela.   Aos 15 anos: Ela olha e vê uma freira horrorosa.   Aos 20 anos: Ela olha e se vê muito gorda, muito magra, muito alta, muito baixa, muito liso, muito encaracolado, decide sair mas, vai sofrendo.   Aos 30 anos: Ela olha pra si mesma e vê muito gorda, muito magra, muito alta, muitobaixa, muito liso muito encaracolado, mas decide que agora não tem tempo pra consertar então vai sair assim mesmo.   Aos 40 anos: Ela se olha e se vê muito gorda, muito magra, muito alta, muito baixa, muito liso, muito encaracolado, mas diz: pelo menos eu sou uma boa pessoa e sai mesmo assim.   Aos 50 anos: Ela olha pra si mesma e se vê como é. Sai e vai pra onde ela bem entender.   Aos 60 anos: Ela se olha e lembra de todas as pessoas que não podem mais se olhar no espelho. Sai de casa e conquista o mundo.   Aos 70 anos: Ela olha para si e vê sabedoria, ri

Boas notícias para pessoas sedentárias

Depois dos 50, também é possível entrar em forma. Um estudo garante que a atividade física, mesmo após meio século de idade, seja um bom investimento para a aposentadoria 31% da população que se declara abertamente sedentária (de acordo com o estudo The World Burden of Diseases, publicado na  revista The Lancet)  e que, em meados dos anos 50, não pratica  exercícios físicos,  terá interesse em saber que, segundo  novas pesquisas,  Ainda é hora de evitar a degeneração muscular e óssea que pode fazer de você um homem velho antes do tempo. O estudo, realizado em conjunto por 5 universidades, comparou a função muscular, a densidade mineral óssea (a quantidade de cálcio e outros minerais presentes em uma área do osso) e a composição corporal de idosos que praticaram esportes em todo o mundo. sua idade adulta com aqueles que começaram tarde, especificamente após 50 anos. O objetivo era determinar se o fato de ter começado a treinar tão tarde impede atingir o nível de desempenho atlético e as

Saber ouvir 2 - Escutatória Rubem Alves

Sempre vejo anunciados cursos de oratória. Nunca vi anunciado curso de escutatória. Todo mundo quer aprender a falar... Ninguém quer aprender a ouvir. Pensei em oferecer um curso de escutatória, mas acho que ninguém vai se matricular. Escutar é complicado e sutil. Diz Alberto Caeiro que... Não é bastante não ser cego para ver as árvores e as flores. É preciso também não ter filosofia nenhuma. Filosofia é um monte de ideias, dentro da cabeça, sobre como são as coisas. Para se ver, é preciso que a cabeça esteja vazia. Parafraseio o Alberto Caeiro: Não é bastante ter ouvidos para ouvir o que é dito. É preciso também que haja silêncio dentro da alma. Daí a dificuldade: A gente não aguenta ouvir o que o outro diz sem logo dar um palpite melhor... Sem misturar o que ele diz com aquilo que a gente tem a dizer. Como se aquilo que ele diz não fosse digno de descansada consideração...   E precisasse ser complementado por aquilo que a gente tem a dizer, que é muito melhor. N