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“Reconhecer a depressão ajuda a enfrentá-la”

 A depressão é capaz de reduzir nossa capacidade imunológica, alerta o escritor Andrew Solomon sobre o aumento na incidência da doença devido à pandemia de covid-19 e suas consequências, como o distanciamento social. São questões que acabam sendo negligenciadas no cenário de urgências em que estamos vivendo. 

Conferencista do Fronteiras do Pensamento 2020, edição que teve como tema a Reinvenção do humano, Solomon é um dos mais respeitados especialistas a falar sobre saúde mental e depressão. Frequentemente tratadas como luxo, como algo não essencial, as enfermidades da psique podem tomar proporções tão graves quanto as enfermidades físicas.    

Uma das importantes perspectivas para o tratamento e melhor condução da doença está na aceitação, no reconhecimento de que é algo que faz parte da nossa vida. Nesta entrevista exclusiva para a Braskem, o escritor explica que a depressão é uma vulnerabilidade genética desencadeada por fatores externos. Reconhecê-la como parte de nossa existência ajuda a encarar possíveis recaídas com mais naturalidade e rapidez.

Solomon foi premiado pelo livro “O Demônio do Meio-dia”, em que trata sobre a depressão a partir de sua própria experiência, apresenta relatos de seus pacientes e pesquisas sobre o assunto. É, também, autor de “Longe da Árvore”, obra sobre a diversidade e tensões em famílias com portadores de deficiências. O escritor é ativista e dono de uma fundação dedicada a estudos LGBTQIA+.

>> Confira um trecho da entrevista exclusiva de Solomon à Braskem e assista ao vídeo completo abaixo:

“Essencialmente, existem duas formas de reagir à depressão. Quer dizer, existem muitas, muitas formas, mas elas podem ser distribuídas nessas duas categorias. Existem as pessoas que têm depressão e, em seguida, após terem se recuperado, pensam “isso foi horrível, nunca mais quero pensar nisso. Não quero ser obrigado a levá-la em consideração quando não estou me sentindo deprimido, só quero deixar tudo isso para trás e tocar minha vida”. E, ironicamente, essas pessoas são as mais vulneráveis a sofrerem com recaídas, porque elas não incorporaram a depressão na narrativa de suas vidas.

E há as pessoas que decidem que a depressão foi horrível, que nunca mais querem passar por isso de novo, mas que aquilo faz parte de quem elas são e é bem provável que ela venha a se manifestar em outras ocasiões, e quando isso acontecer não haverá uma interrupção, mas uma continuidade de suas narrativas de vida. E embora essas pessoas possam ter depressões terríveis – não quero subestimar aqui os horrores de uma possível recaída da depressão –, elas estarão melhor equipadas quando a nova depressão vier à tona, e poderão dizer “sim, isso é parte de quem eu sou, eu saí do outro lado na outra vez e vou sair do outro lado de novo, pois me lembro do que fiz para isso”. E elas são capazes de dizer isso abertamente para as outras pessoas.


No meu caso, quando saí do armário e me assumi gay, eu havia sentido que nunca mais queria ficar dentro de um armário na vida. Assim, quando fiquei deprimido, eu realmente não estava disposto a fazer disso um grande segredo, como muitas pessoas tentam fazer ao esconder sua depressão das outras pessoas. Eu falei muito sobre isso e, mais tarde, também escrevi sobre isso.

Não acho que todo mundo precise se submeter ao mesmo grau de exposição que eu me submeti. Eu escolhi fazer isso porque tinha a esperança de que isso fosse ajudar outras pessoas. Mas, sabe, acho que reconhecer a depressão ajuda. Manter um segredo é muito estressante e exaustivo. Estar deprimido é muito estressante e exaustivo. Muitas pessoas, para manter o segredo, despendem uma energia que poderia ser melhor gasta no processo de cura. Eu acho que isso significa desperdiçar essa energia, e que ser capaz de falar abertamente ao menos com as pessoas que são mais próximas a você, ao menos com aqueles que são capazes de entender – e muito mais gente é capaz de entender do que qualquer pessoa acha quando está sofrendo de depressão... Acho que isso ajuda muito. Tenho certeza de que me ajudou muito.”

>> Assista a entrevista na íntegra:

Fonte: https://www.fronteiras.com/artigos/


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